Paula Mastroberti

Bem-vindos a Peter Pan e Wendy: projeto. Ele está sendo desenvolvido a partir da minha tese de doutorado defendida na Faculdade de Letras na PUCRS, que basicamente estudou a obra Peter Pan e Wendy, de James Matthew Barrie, suas traduções gráficas e sua receptividade no Brasil. Entre outros objetivos, pretendo apresentar, como produto final, uma versão ilustrada desse texto literário que completou 100 anos em junho de 2011. Este blog foi criado para compartilhar os conceitos, os traços e o processo que envolve a produção dessas ilustrações e da sua versão em quadrinhos.
(Clique sobre as figuras para ampliá-las.)

terça-feira, 31 de maio de 2011


Capítulo XV - Hook or me this time [É Hook ou eu, desta vez]: a ação volta a se intensificar. Peter Pan tique-taqueia imitando o Crocodilo que comeu a mão - e o relógio - de Hook. Barrie retrocede um pouco na narrativa para contar do percurso do menino até o navio. O narrador divaga deliciosamente sobre esse percurso, mostrando o quão pouco as ações de Peter Pan têm de intencionais ou estratégicas, o quão intuitiva - e até mesmo ingênua - é a sua performance. É possível que alguns leitores infantis não achem graça nenhuma nessa concepção de herói, e fiquem até mesmo desapontados. Como leitora adulta, eu acho a explicação de seu tique-taquear comovente e cativante, contribuinte com a riqueza da personagem.


Peter Pan finalmente se revela, após um jogo de suspense e mistério, em que muitos piratas são assassinados pelo menino (ah, bons tempos em que as histórias infantis não disfarçavam a morte e a crueldade). A luta começa: meninos contra piratas. O espírito infantil Peter Pan contra seu alter-ego, o adulto Capitão Hook. Um dos motivos pelo qual as crianças se deixam fascinar pelo bucaneiro, em detrimento da antipatia que muitas vezes sentem por Peter Pan, é que o chefe pirata parece ter um coração, apesar de tudo. Suas maldades são frutos de uma má educação - atos de desespero - e encobrem um medo profundo: do Crocodilo? do relógio? de crianças? Os três elementos são uma e mesma coisa: a consciência do envelhecimento e da morte que fatalmente virá, com o andar do tempo.   


Ah, duelos e brigas! Eu adoro desenhar corpos em luta. Fiz artes marciais durante dez anos. Pratiquei espada, facão, punhais, lança. O corpo aprende, a mão obedece à memória dos gestos de defesa e de ataque. Ao conhecer as possibilidades e os limites do meu corpo, posso empatizar com qualquer forma humana em movimento, adivinhá-las. Foram muitos os esboços para essa cena. Às vezes me dá vontade de transformar Peter Pan e Wendy numa história em quadrinhos.


A luta termina, Peter Pan e seus amigos vencem afinal. Se o capítulo terminasse aqui, o episódio seria mais uma aventura como qualquer outra. Mas Barrie prefere uma conclusão mais sensível: finda a batalha, Peter dorme, cansado - um herói exausto. Durante o sono, ele tem, mais uma vez, pesadelos e chora, embalado por Wendy. 

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Estamos nos aproximando do final do livro. Num livro infantil padrão, tudo agora seria pura ação e aventura, até o desfecho (normalmente feliz, o que não é bem o caso aqui, como veremos). Contudo, no Capítulo XIV - The pirate ship [O navio pirata], o que temos? A calmaria antes da tempestade: uma divagação do Capitão Hook sobre sua vida, sua infância, lembranças desse homem de caráter ambíguo - rude e sensível, ao mesmo tempo. Até mesmo o patético Smee, "the essence of commonplace" [a essência do lugar-comum] costurando em sua máquina, causa inveja àquele homem temido por todos. 


Essa é uma ilustração que dificilmente será publicada, porque se trata de um evento considerado como praticamente insignificante! Uma edição de Peter Pan necessita muitas páginas, o que significa economizar no espaço para as artes. Mas, se eu a produzir, imagino uma daquelas máquinas de costura da época, de pedal mecânico e mesa de ferro em estilo art-noveau, como as primeiras Singer. Adoro especialmente essa cena, em que o Capitão Hook se desvela como homem, como personagem, e seu contraponto a atitude de Smee.


Enquanto isso, Wendy e os meninos estão amarrados no convés. Eles estão a espera do veredicto do Capitão. No exato momento em que Hook vai proceder com a punição das crianças (cuidando para que Wendy os assista andar pela prancha e cair, um a um, no mar), o tique-taque do crocodilo se faz ouvir. Contudo, Barrie nos adverte: qual crocodilo, qual nada - é Peter Pan!

Resta decidir se a ilustração do menino escondido no convés atrapalha ou não a suspense da cena.


terça-feira, 24 de maio de 2011

"The more quickly this horror is disposed of the better." ["Quanto mais rápido nos livrarmos desse horror, melhor"]. Assim começa o Capítulo XIII - Do you believe in fairies? [Você acredita em fadas?]. As crianças pensam que o tambor tinha sido tocado pelos índios, habitual comemoração da sua vitória sobre os piratas. Ao saírem do Esconderijo Subterrâneo, são acolhidas e jogadas de pirata em pirata, e enfiadas, uma a uma, na casinha de Wendy.



Apenas Wendy é tratada com delicadeza; afinal, ela é a "mãe". Até mesmo um pirata sabe que deve respeitar sua posição. É o próprio Capitão Hook quem lhe estende gentilmente a mão, como um cavalheiro bem educado.


Vejam que eu modifiquei levemente a cabeleira do capitão. Agora seus cabelos estão presos atrás da nuca e os cachos caem para frente. Sem chapéu, achei melhor assim. Com os cabelos simplesmente soltos, ele correria o risco de se assemelhar a um desses metaleiros geração 70. O topete dá um ar mais sofisticado e não altera muito o penteado de época.


Enquanto a casinha cheia de crianças lá se vai, carregada pelos piratas, Peter Pan dorme em meio a uma grande risada (eu disse risada, não sorriso), que permanece suspensa na boca do menino. Essa risada muda não será fácil de executar; pensem bem, um rosto que dorme e ri ao mesmo tempo. Exigirá uma certa distorção nas feições - o resultado pode ficar catastrófico. Esse desenho aí não me deixou satisfeita: ele parece estar acordado, não dormindo. Viram a dificuldade?


E então o Capitão Hook penetra por um dos ocos das árvores que levam ao esconderijo. Ele usa a abertura de Slightly (que andou crescendo sem que Peter Pan soubesse). Seu rosto, suado (Barrie usa a expressão dripping like a candle [pingando como uma vela], remetendo à descrição dos cachos do cabelo de Hook) aparece em grandes proporções, tomando conta do espaço do Esconderijo.
No remédio que Wendy deixou para Peter tomar, ele coloca algumas gotas de veneno, que Tinker Bell, numa atitude apaixonada, irá beber em seu lugar.


Você acredita em fadas? Em Peter Pan, the boy who wouldn't grow up, a peça de teatro escrita por Barrie e que deu origem ao livro, se você acreditasse, teria que bater palmas, e assim ressuscitaria a fada. No livro, a interação atores-platéia é substituída pela seguinte passagem:
"There were no children there, and it was night-time; but he adressed all who might be dreaming of the Neverland, and who were therefore nearer to him than you think; boys and girls in their nighties, and naked papooses in their baskets hung for trees.
'Do you believe?', he cried.
[...]
'If you believe', he shouted to them, 'clap your hands; don't let Tink die'.
Many clapped.
Some didn't.
A few little beasts hissed."
[Não havia criança alguma lá, e era noite; mas ele dirigiu-se a todos que pudessem estar sonhando com Neverland, aqueles que, portanto, estariam mais perto dele do que você possa pensar; garotos e garotas de pijamas, indiozinhos em seus cestos pendurados em árvores.
- Vocês acreditam? - ele gritou.
{...}
- Se vocês acreditam - ele gritou a elas - batam palmas; não deixem Tink morrer.
Muitos bateram palmas.
Alguns não.
Uns poucos bestinhas assobiaram.]

A maioria dos ilustradores preferem figurar Tinker Bell em seu ato de heroísmo irrefletido. Eu fiz um rascunho para esse momento, mas ainda estou pensando se não ficaria legal desenhá-la prestes a apagar-se para sempre, junto a um Peter Pan desesperado.




sexta-feira, 20 de maio de 2011



O Capítulo XII - The children are carried off  [As crianças são aprisionadas], o narrador volta no tempo para contar a luta entre índios e piratas na superfície, enquanto Wendy e os meninos se preparavam para partir. Os índios vigiavam o esconderijo de Peter e os piratas atacam traiçoeiramente. Acima e abaixo, estudos para os piratas. Eles serão provavelmente reunidos numa arte só.




 Embora os piratas tenham sido percebidos, os índios se mantiveram impassíveis, à espera da investida inicial.



Peter Pan diz aos meninos que, se os Piccanninys venceram, ouvirão o bater de um tambor. O Capitão Hook, ao ouvir através do oco das árvores a voz do menino, dá a ordem imediata a Smee:


A figura de Smee deve aparecer no final do Capítulo como uma vinheta terrível: as crianças, vibrando com "a vitória dos índios", estão prestes a sair do esconderijo para comemorar.

terça-feira, 17 de maio de 2011



Vamos ao Capítulo X - The happy home [Lar feliz]. Enquanto Peter Pan é reverenciado pelos índios, Wendy prossegue sua rotina doméstica. Peter Pan conta bravatas, é aclamado como "Great White Father" [Grande Pai Branco], e Wendy enfrenta a rebeldia dos "filhos"no Lar Subterrâneo. O faz-de-conta das crianças é levado muito à sério e, lá pelas tantas, nesse capítulo, Peter Pan demonstra temer a possibilidade de estar se tornando um "homem": um "pai"e "marido"de verdade. Um novo diálogo entre os dois protagonistas, tão delicado e bem feito quanto o primeiro (ainda no quarto de Wendy), é travado. Há algo de melancólico nele, até mesmo trágico: sentimentos impossíveis vêm à tona.



Porém, tudo termina em brincadeira e dança. Afinal, estamos no interior de um mundo infantil e o que poderia se tornar uma discussão entre marido e mulher (com direito à ciúmes por parte de Wendy) se dilui no último momento de felicidade da turma.

Dessa vez, optei por desenhar o conjunto inteiro de crianças. Aqui, não vai importar tanto a figura de cada um em particular, mas a dinâmica do grupo integrado no movimento. Sendo Peter Pan e Wendy as figuras principais, fiz seus estudos também em separado.


No Capítulo XI - Wendy's storie [A história de Wendy], a história da família Darling é lembrada mais uma vez por Wendy. Wendy sempre procurava preservar a memória dos pais junto a John e Michael, mas após sua conversa com Peter Pan, o momento adquire uma conotação especial e a vontade de retornar ao mundo dos adultos contagia também os meninos perdidos.


É claro que Peter Pan não gosta nada, nada, de perder seu poder junto aos meninos para Wendy. Embora a menina implore, ele se recusará ir embora com eles. Do tipo heróico "Grande Pai Branco", ele deriva numa criança birrenta, fazendo pirraça, fingindo que não está ouvindo, que não se importa. 



Por um momento as crianças parecem se importar com os sentimentos de Peter. Mas as crianças de Barrie "não tem coração"e logo partem alegremente, imaginando como será o retorno ao lar.
Contudo, nesse mesmo instante, algo está acontecendo lá fora, acima do Esconderijo Subterrâneo. Barrie  terá que retroceder o tempo narrativo no próximo capítulo para contar o que foi. 




quarta-feira, 11 de maio de 2011


O Capítulo IX - The never bird [ O Pássaro-Nunca] é extirpado das versões para o cinema e não consta na versão teatral original. Ele guarda resquícios de Peter Pan in Kensington Gardens: através dele, sabe-se da associação feita por Barrie entre pássaros e crianças. No universo imaginário do autor, as crianças eram pássaros antes de se tornarem bebês, mas esquecem disso rapidamente. Em sua origem, Peter, além de se alimentar e falar como os pássaros, aprendeu a voar com eles (as fadas em Kensington moram nas árvores e embaixo da terra, conforme a tradição celta e, portanto, não tem asas. Barrie as omite em Tinker Bell e o pó das fadas foi adotado posteriormente). Tudo isso reaparece sutilmente nesse capítulo: a incomunicabilidade (uma referência ao fato de que as crianças esquecerem sua origem), o auxílio que o pássaro (uma fêmea-mãe) presta ao menino, oferecendo seu próprio ninho, cheio de ovos, para salvá-lo da maré alta. Numa versão mais antiga, Peter simplesmente joga os ovos fora e ocupa o ninho. Embora coerente com o caráter da personagem (uma criança sem coração), na versão final Peter coloca os ovos no chapéu de Starkey, esquecido junto à Pedra Morooney.

Não esqueçam que Peter, por ter perdido a autoconfiança, está nesse momento incapacitado de voar: nada mais natural que a figura do pássaro reapareça para orientá-lo. Em PPKG (vou abreviar o excerto de Little White Bird), os pássaros assumem a educação de Peter à medida que este perde a confiança no mundo adulto.

A minha figura de Never Bird não está boa e só a incluí para não deixar esse capítulo em branco. Ele deve ser menos um pássaro de fantasia, mas mais um pássaro de verdade, da fauna inglesa.

segunda-feira, 9 de maio de 2011



Por fim, para encerrar o Capítulo VIII: a maré sobe e ameaça engolir a Pedra Marooney onde se encontram Peter e Wendy. Fragilizado pelo golpe traiçoeiro de Gancho, o menino não pode voar com Wendy para o refúgio subterrâneo, mas a amarra na pipa de Miguel feita por João e que sobrevoa Neverland.

Nosso herói permanece na pedra e diz uma frase que sintetiza bem a tragicidade de sua condição de criança eterna: "To die will be an awfully big adventure." [Algo como: "Morrer será uma tremenda aventura."]. Temos aí uma visão positiva da morte, coisa rara não só na literatura em geral, mas sobretudo nesse gênero. Ela é especialmente significativa, pois se refere à tentativa de Barrie de minimizar o temor da morte infantil, comum no seu tempo. A frase foi dita por George Llewelyn Davies, quando das primeiras descrições de Barrie de Never-never-land, compreendida como um paraíso  para onde iam todas as crianças que faleciam (no caso, os meninos perdidos). Assim, diferente das demais histórias infantis de aventura em um lugar fantástico, o texto de Barrie traz uma conotação claramente sombria, perceptível em algumas passagens.

Dei meu ok para o esboço de Wendy, mas Peter Pan ainda precisa ser trabalhado. Talvez seja melhor vê-lo de costas, olhando para Wendy que se afasta. O rabisco circular ao lado é o chapéu de Starkey, elemento importante para o próximo capítulo.

domingo, 8 de maio de 2011


Lembram da cena? Tiger Lily é raptada pelos piratas (mais precisamente, por Smee e Starkey), a mando do Capitão Hook. As crianças estão descansando sobre a chamada Marooner's Rock (Pedra do Abandono, Desterro ou Degredo, a depender da tradução), enquanto Wendy e Peter vigiam. O céu escurece subitamente, como se uma tempestade se aproximasse. Estou entre a expressão orgulhosa e a humilhada. Acho que vai ficar a orgulhosa.


Peter imita a voz do Capitão Hook e manda soltar Tiger Lily. A configuração abaixo, embora pequena, ficou melhor.


O Capitão descobre o truque de Peter e sai ao seu encalço. Uma das cenas mais significativas da relação entre Hook e Peter aparece aqui: ele fere Peter Pan no braço, que lealmente o estende para ajudá-lo a subir na rocha. Hook não hesita e o fere com o gancho. O golpe dói no menino. Como a criança pequena que, apesar de tudo, confia no adulto, Peter confiou incondicionalmente no pirata e se sente vítima uma grande injustiça. Portanto, não é o braço machucado que impedirá Peter de voar com Wendy, mais tarde, quando a maré começar a subir; mas é esse sentimento de ter sido traído em sua confiança, que o fragiliza.


Fiz duas versões para essa cena, porque estou em dúvida: devo mostrar Hook já com ares mal-intencionados ou amedrontado, com medo de cair da rocha? E qual a melhor posição para Peter?


Capítulo VIII - The Mermaid's Lagoon [A lagoa das sereias]: quanto mais próximas elas ficarem de peixes, melhor. Sem deixar de serem graciosas, levemente sensuais, elas não podem, tal como Tinker Bell e Peter, terem aspecto humano. Parte do ecossistema da ilha, junto com as fadas e as feras, elas são brincalhonas, mas nada gentis. Ainda não cheguei a uma boa definição quanto à elas. O segundo perfil da página à esquerda (foto abaixo) me parece ok. Os cabelos devem ser mais duros, lembrando barbatanas ou espinhaço. O estudo de cor vai colaborar bastante nesse caso: nada de tons cor-de-carne, mas esverdeados ou azulados (lembram das sereias do filme Peter Pan de P. J. Hogan?).



O Capítulo VII - The home under the ground [O lar subterrâneo] trata, basicamente, de uma descrição da rotina das crianças Darling em Neverland. Eles recriam, junto com Peter Pan e os meninos perdidos, o comportamento adulto e familiar: Wendy é a mãe, Peter é o pai, os meninos perdidos, John e Michael são seus filhos. Michael, por ser o menorzinho, torna-se o bebê da casa, e dorme num cesto pendurado no teto. A disciplina é rígida e coordenada por Wendy. Tinker Bell é isolada nessa brincadeira, mas ela tem seu próprio quarto, cuja descrição, tanto quanto a do esconderijo subterrâneo, é muito sugestiva (mas as ambientações eu deixei para desenvolver posteriormente). Por enquanto, meus estudos se centram numa Wendy bastante atarefada e no desenvolvimento do gestual das personagens.
Esse capítulo também é uma digressão sobre as possíveis aventuras que a turma teria vivido na ilha. Barrie vai e volta, fala de um passado, projeta futuros que não se tem certeza se aconteceram mesmo ou se ainda acontecerão. Seu modo de narrar evoca bem a atemporalidade fantástica da história, mas de uma maneira inovadora na literatura infantil (ou juvenil, a depender dos critérios), porque ele faz uso da metalinguagem. Preferi me abster de ilustrar passagens que podem tirar a força da aventura "sorteada" (segundo o próprio narrador) para compor o capítulo seguinte.

quinta-feira, 5 de maio de 2011


No final do Capítulo VI, Peter Pan adormece. Os adormeceres de Peter Pan são frequentes ao longo da narrativa e chamam minha atneção: poucos heróis infantis são apresentados em situações de fragilidade. Peter Pan, herói invencível, sofre muito enquanto dorme, e revela através de pesadelos medos e fraquezas, que só Wendy pode aliviar. As fadas que o acompanham desde Peter Pan in Kensington Gardens são suas amigas e prontas para qualquer aventura; mas dão piparotes em seu nariz quando ele cai no sono, como mostra essa cena.
Adoraria manter essa ilustração no projeto final: Peter Pan adormecido enquanto guarda a casinha de Wendy, as fadas retornando de alguma orgia, como diz Barrie, passando luminosas por cima dele na noite escura, cutucando-o sem que ele perceba. Ela faria um contraponto irresistível com a cena em que ele é surpreendido pelo Capitão Hook dormindo no Esconderijo Subterrâneo.  


O Capítulo VI inicia com Wendy atingida pela flecha de Tootles. Ela não está morta, mas desmaiada de susto: a flecha atingiu o "beijo"de Peter (a semente de uma árvore), que ela trazia amarrada ao pescoço, protegendo-a. Desfeita a confusão, Tinker Bell seria expulsa do bando para sempre, mas tem sua pena reduzida em uma semana, a pedido de Wendy.
Felizes com a chegada da nova "mãe", os meninos perdidos, orientados por Peter, constroem uma casinha de faz-de-conta para Wendy morar. Essa casinha, feita de galhos, folhas e flores, eu procurei configurar de modo bidimensional, como uma moldura em torno da figura de Wendy. Nota-se o carinho e a admiração de Barrie pelas mulheres; o modo como os meninos, incluindo Peter, reverenciam a personagem e como ela os domina completamente. 
Por isso, me irrito quando vejo ilustradores que sequer a incluem nas configurações, ou, quando o fazem, a mostram como uma menina bonitinha e sem graça; não é a toa que muitos leitores acabem preferindo Tinker Bell.
Minha Wendy deve expressar afeto e feminilidade (quase sensualidade), além de uma personalidade forte e decidida. Nesse sentido, a concepção da Disney é uma das melhores referências.

Quase entrando no Capítulo VI - The little house [A casinha], já é hora de falarmos um pouco mais de Tinker Bell. A primeira aventura em Neverland inicia por conta dela: ciumenta, ela voa na frente e avisa aos meninos perdidos que Peter Pan quer que eles matem o "pássaro branco" - Wendy, avistados por eles.
Tinker Bell, que era inicialmente um ponto de luz no meu discurso visual, agora toma a forma de uma estranha garotinha. Ela, como Peter, não pode ser configurada como um ser humano normal. Minha inspiração em termos de estilo é claramente o mangá, nesse caso, mas pode ainda evoluir. Também quero que ela lembre um inseto. Ela é uma fada, ela é bonitinha, rechonchuda (assim a descreve Barrie), mas ela é um elemental: um ser instintivo, espontâneo e amoral. Barrie a descreve como um ser que só pode ter um sentimento por vez: como um bebê que não controla ainda suas emoções, Tinker Bell não é boazinha, nem malvada, mas está entregue às suas paixões. Como um bichinho de estimação, será fiel a Peter até a morte, como se verá.

quarta-feira, 4 de maio de 2011




Por fim, os estudos para Tiger Lily e Great Big Little Panther, representando a tribo Piccaninny, e o Crocodilo, uma das feras de Neverland. Embora eu prefira a segunda Tiger Lily, a terceira é mais próxima da estrutura facial de uma índia norte-americana. Little Panther é descrito como tendo um cinturão de escalpos atado ao corpo. Os demais índios aparecerão ao longo dos estudos, conforme a atuação nos capítulos seguintes.



A descrição de Barrie do chefe dos piratas, o Capitão Hook é tão boa e complexa - e a medida em que essa personagem vai evoluindo na narrativa, mais interessante ela se torna - que é um prazer desenhá-la. Eu o experimentei em suas várias faces: terrível, ardiloso, amargo, sensível, invejoso, sofisticado - e por tudo isso, meio insano... Ele exerce um fascínio do qual nem mesmo Wendy consegue escapar. Mas não posso esquecer que ele está em relação analógica ao Sr. Darling. O Capitão Hook deverá ser sua versão caricata. O comportamento adulto elevado ao cubo. Junto dele, temos Noodler (um pirata cujas mãos foram decepadas e fixadas ao contrário) e Smee, simplório e doméstico (não consegui deixar de pensar nele como um velho escocês de suíças ruivas).