Paula Mastroberti

Bem-vindos a Peter Pan e Wendy: projeto. Ele está sendo desenvolvido a partir da minha tese de doutorado defendida na Faculdade de Letras na PUCRS, que basicamente estudou a obra Peter Pan e Wendy, de James Matthew Barrie, suas traduções gráficas e sua receptividade no Brasil. Entre outros objetivos, pretendo apresentar, como produto final, uma versão ilustrada desse texto literário que completou 100 anos em junho de 2011. Este blog foi criado para compartilhar os conceitos, os traços e o processo que envolve a produção dessas ilustrações e da sua versão em quadrinhos.
(Clique sobre as figuras para ampliá-las.)

domingo, 13 de novembro de 2011

Dedais entre Peter e Wendy


Ah, a cena do beijo... uma das minhas preferidas. Ela começa em Peter Pan em Kensington Gardens, no encontro entre Maimie e Peter, ainda habitante das árvores do parque. Barrie enxugou o texto dessa parte em Peter Pan e Wendy, retirando algo de sua melancólica sensualidade. O troca-troca de beijos e dedais termina numa - afinal! - dedalada de Peter em Wendy. Wendy ficou bem melhor aqui, mais próxima da expressão que eu desejo para ela: o cabelo mais bagunçado, um ar doce, mas quente, de malícia infantil. Peter é fácil, está completamente dominado. Os tons de pele devem diferir, o de Wendy mais rosado e vivo, o de Peter pálido, tendendo para o esverdeado ou azulado. Notem que ele segura o colar com a bolota de árvore na mão, pois também esse colar tem o significado de beijo.

Dessa vez eu deixei os traços do esboço inicial em papel aparecerem mais sob a pintura digital. Sempre tenho pena de soterrar os esboços ou de limpá-los: eles contém informações sobre a escrita gráfica que muitas vezes vale a pena manter, porque traduzem emoção, decisões, hesitações... Reflexões sobre o tema e os elementos desenhados.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011


Tinker Bell, aqui no Brasil traduzida invariavelmente como Sininho.
Ela só deve aparecer em seu formato "sólido" quando em Neverland.  Na casa dos Darling, ela é apenas uma luzinha animada.

Minha configuração de Sininho tem uma levada de mangá nos cabelos. Ela é um ser de fantasia, e deve se apresentar como tal. Mantive a veste de folha seca, mas não em corte reto, como sugere Barrie; ela é rechonchuda e, apesar de fada, quero mostrar um pouco de sensualidade, dado o seu temperamento apaixonado. Os olhos grandes, como os de um inseto, vão irradiar raiva, amor, ciúmes, conforme a situação da narrativa: ela é pequena, então seu rosto deve destacar toda a intensidade dos seus sentimentos.
Eu a imagino mudando o tom do cabelo para púrpura ou roxo quando de mau-humor. Na cena em que ela está morrendo, toda ela deve desbotar para um tom de azul acinzentado, e o cabelo pode branquear.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Capitão Hook em cores


E eis o nosso fascinante Capitão Hook, com seus olhos cor de miosótis ou, como quer um outro tradutor, não-me esqueças (no original, forget-me-not: a flor é a mesma). Sim, além das "velas pretas" descritas no Capítulo V, eu apliquei uns "boucles" no cabelo, que aparecerão quando ele estiver sem o chapéu.
Abaixo, o traço original, em papel:


quarta-feira, 13 de julho de 2011

Estudos para Wendy: do grafite ao tablet



Estudo de cor para Wendy, com Tinker Bell incluída. A combinação de cores lembra um pouco Elisabeth Taylor versão criança: cabelos escuros e olhos azul-violeta. Ficou com uma expressão um pouco pueril, eu acho, parecendo aqueles retratos românticos de criança (tipo Murillo, se é que me entendem). O melhor de Wendy - um arzinho um tanto malicioso e mais esperto - surge quando ela está com Peter, cuja pele fria, de tons azulados, contrastará com a sua, mais rosada e saudável. Numa tentativa próxima, prometo fazer coisa melhor.


Acima, o esboço em grafite sobre papel que originou a arte digital.

domingo, 26 de junho de 2011

Estudos para Peter Pan - do lápis ao tablet




Do  meu Caderno n. 2, o estudo de cor para a cena "Cave, Peter! [Agora, Peter!]"na qual Peter Pan entra no quarto das crianças Darling.




O estudo, feito em grafite sobre papel, foi digitalizado e colorido em etapas. 

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Primeiro caderno - conclusão

Até aqui, cumpri os processos iniciais para produção das artes para a obra Peter Pan e Wendy, que completou em junho 100 anos de existência. Abri e digitalizei um caderno de esboços realizados no período de 10 meses, entre 2 de julho de 2010 e 3 de abril de 2011.
Minha próxima etapa será a de aplicar as ideias e conceitos surgidos durante essa primeira fase na configuração de ilustrações chaves para a obra, incluindo estudo de ambiências, estudos de cor e planejamento gráfico. Essa segunda fase também será veiculada aqui, assim que possível.
O segundo caderno já foi iniciado. Outras ideias estão surgindo, ideias anteriores estão sendo apuradas e até modificadas.

Também estou sendo contatada por algumas editoras.

Agradeço o interesse de todos os que acompanharam esse trabalho até aqui - espero que prossigam interessados e comentando. Ele permanecerá disponível, ao lado do próximo segmento, nesse mesmo blog.
Último capítulo, enfim. O Capítulo XVII - When Wendy grew up [Quando Wendy cresceu] chegou a fazer parte do roteiro da peça de teatro, mas jamais foi encenado. No texto literário, entretanto, ele foi acrescentado, graças-a-deus: para mim, ele é extremamente significativo e fundamental para se compreender o universo barrieano e sua mais famosa personagem - Peter Pan. Nunca consigo lê-lo sem chorar. E olha que minhas leituras desse universo (digo universo porque ele é, na verdade, plurimidiático: teatro, filmes, animações...) começaram aos seis anos, com a Disney.




Os meninos perdidos são adotados pela família Darling, tal como prometeu Wendy. Todos crescem, ficam adultos. Mas os meninos são tratados de modo diferente de Wendy por Barrie, que não enxerga no sexo masculino uma continuidade para o espírito infantil (o único modo de um menino permanecer criança seria assumir-se um "peter pan", ao que parece, tal como diagnosticou Dan Kiley). Os garotos crescem e esquecem como voar, esquecem Neverland e as aventuras vividas. Wendy, entretanto, não chega a romper com o período infantil: ela cresce, amadurece, mas algo de Peter Pan permanece nela, e será transferido para as próximas gerações. Nota-se a admiração, ou melhor, a reverência carinhosa de Barrie pela função mulher-mãe. 


Wendy cresce aos poucos: primeiro, Barrie diz que ela já não cabe mais no vestido de flores, folhas e frutas vermelhas que ela havia confeccionado na sua primeira viagem a Neverland (oh, sim, ela é a única a voltar para lá, sempre nas primaveras). Ela não esquece Peter, mas é Peter quem a vai esquecendo, como esquece as aventuras que vive, como esqueceu até mesmo o seu maior inimigo, o Capitão Hook.
A ilustração à direita, acima, deve ser anterior a que está à esquerda: nela vemos Wendy em plena puberdade, o corpo meio envergonhado ainda, com seu vestido curtinho: me tirem todas as ilustras desse capítulo, mas não me tirem esta! Wendy NUNCA foi ilustrada assim, nesse misto de sensualidade e inocência. Me inspirei direto em Pubertet, de Edvard Munch.

Ela se casa, mas não pode deixar de olhar para trás, esperando que Peter apareça e a leve para seu o mundo. Numa época em que as mulheres casavam quase sempre por obrigação, muitas vezes sem conhecer plenamente seus futuros maridos, é possível compreender o temor de Wendy pelo casamento e pelo estranho que está ao seu lado.


Então, numa noite, após colocar Jane, sua filha na cama, Peter reaparece, tão pequeno quanto surgiu para Mary Darling (que já faleceu e que tinha aquele beijo, lembram, escondido nos cantos dos lábios). Ele se assusta com uma Wendy adulta - a cena é trágica e carregada de melancolia.


Peter, sabemos, não é de manter por muito tempo os mesmos sentimentos: logo ele se distrai com Jane, com quem havia confundido a antiga amiga inicialmente. A história termina tristemente para a minha querida protagonista, pois agora é a vez de Jane partir. Para Wendy, a janela aberta para Neverland não é mais transponível. Para Peter Pan, o texto literário é, entretanto, só mais um evento em sua longa, transcendente e eterna narrativa. Depois de Jane, virá Margareth e depois - quem sabe? - eu, você.

Isso enquanto existirem no mundo crianças alegres, inocentes e sem coração e adultos que preservem, na memória e no espírito, todas as instâncias da vida em si mesmos.

sexta-feira, 3 de junho de 2011


O Capítulo VI - The return home [Retorno ao lar] corresponde à última cena da peça de teatro. As crianças voltam para casa e para os braços do Sr. e da Sra. Darling, que nunca perderam as esperanças de reavê-los. Nesse capítulo, tudo acaba bem, como na encenação pantomímica. 


Ele inicia com uma descrição um tanto estranha do nosso jovem herói. Passa a impressão de que ele se torna - ou deseja tornar-se - o seu oposto: o Capitão Hook. Ele maltrata e castiga os meninos, veste-se com as roupas do seu arqui-inimigo (adaptadas por Wendy, a seu pedido) e curva o dedo indicador em forma de gancho, exibindo-o ameaçadoramente. Nunca vi ou li, em nenhuma narrativa, seja em quadrinhos, filme ou literatura, uma transfiguração igual de herói em alter-ego. Se alguém lembrar de alguma, me escreva. 

Imaginem Peter Pan, vestido com os trajes do pirata morto. Ilustrar isso é a glória. Posso imaginar até mesmo as cores, um tom de vermelho-sangue escuro do casaco roto, um branco encardido na camisa puída do Capitão, Uma criança que não pode crescer, por um instante, copia o único adulto que lhe serviu de modelo. A figura "Peter Hook" torna-se uma verdadeira síntese da situação patética do menino que não crescerá jamais.


Enquanto isso, adultos de carne-e-osso aguardam seus filhos. A janela nunca foi fechada (ao contrário da casa de Peter, em Peter Pan in Kensington Gardens). O Sr. Darling, para punir-se, foi morar na casinha de Nana; a Sra. Darling vigia constantemente, à espera. Ao invés de frases piegas, Barrie nos faz uma descrição irônica do estado de desespero da Sra. Darling. As brincadeiras da voz narrativa, ao descrever e se imiscuir nos sentimentos da mãe, não suavizam a melancólica cena, ao contrário: tornam-na ainda mais tocante. Simpatizamos com o casal, com sua dor.

O retorno das crianças não é um evento tão simples. Em qualquer narrativa mais plana, as crianças irromperiam a janela voando, vibrantes, e seriam abraçadas calorosamente pelos pais. Fim.
Mas Barrie não cai nessa cilada. Não é que isso não aconteça - acontece, tal como esbocei abaixo:    


Mas antes, Peter se antecipa, voa na frente, entra no quarto, onde a mãe e o pai aguardam. O que é que ele planeja? Simples: fechar a janela, com a ajuda de Tinker Bell. Impedir a entrada das crianças, sobretudo de Wendy: "I'm fond of  her too. We can't both have her, lady" ["Eu gosto dela também. Nós dois não podemos tê-la, senhora"]. Quer que elas pensem que o Sr. e  Sra. Darling os esqueceram. Tal como aconteceu com ele, uma vez.
Eu cheguei a esboçar essa cena. Depois, achei que poderia ficar graficamente semelhante a cena final, quando Wendy está adulta, e isso faria com que as imagens projetadas perdessem a força. 


Assim, Peter Pan aparecerá, segundo minha concepção, espiando o encontro feliz da família, através da janela.



terça-feira, 31 de maio de 2011


Capítulo XV - Hook or me this time [É Hook ou eu, desta vez]: a ação volta a se intensificar. Peter Pan tique-taqueia imitando o Crocodilo que comeu a mão - e o relógio - de Hook. Barrie retrocede um pouco na narrativa para contar do percurso do menino até o navio. O narrador divaga deliciosamente sobre esse percurso, mostrando o quão pouco as ações de Peter Pan têm de intencionais ou estratégicas, o quão intuitiva - e até mesmo ingênua - é a sua performance. É possível que alguns leitores infantis não achem graça nenhuma nessa concepção de herói, e fiquem até mesmo desapontados. Como leitora adulta, eu acho a explicação de seu tique-taquear comovente e cativante, contribuinte com a riqueza da personagem.


Peter Pan finalmente se revela, após um jogo de suspense e mistério, em que muitos piratas são assassinados pelo menino (ah, bons tempos em que as histórias infantis não disfarçavam a morte e a crueldade). A luta começa: meninos contra piratas. O espírito infantil Peter Pan contra seu alter-ego, o adulto Capitão Hook. Um dos motivos pelo qual as crianças se deixam fascinar pelo bucaneiro, em detrimento da antipatia que muitas vezes sentem por Peter Pan, é que o chefe pirata parece ter um coração, apesar de tudo. Suas maldades são frutos de uma má educação - atos de desespero - e encobrem um medo profundo: do Crocodilo? do relógio? de crianças? Os três elementos são uma e mesma coisa: a consciência do envelhecimento e da morte que fatalmente virá, com o andar do tempo.   


Ah, duelos e brigas! Eu adoro desenhar corpos em luta. Fiz artes marciais durante dez anos. Pratiquei espada, facão, punhais, lança. O corpo aprende, a mão obedece à memória dos gestos de defesa e de ataque. Ao conhecer as possibilidades e os limites do meu corpo, posso empatizar com qualquer forma humana em movimento, adivinhá-las. Foram muitos os esboços para essa cena. Às vezes me dá vontade de transformar Peter Pan e Wendy numa história em quadrinhos.


A luta termina, Peter Pan e seus amigos vencem afinal. Se o capítulo terminasse aqui, o episódio seria mais uma aventura como qualquer outra. Mas Barrie prefere uma conclusão mais sensível: finda a batalha, Peter dorme, cansado - um herói exausto. Durante o sono, ele tem, mais uma vez, pesadelos e chora, embalado por Wendy. 

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Estamos nos aproximando do final do livro. Num livro infantil padrão, tudo agora seria pura ação e aventura, até o desfecho (normalmente feliz, o que não é bem o caso aqui, como veremos). Contudo, no Capítulo XIV - The pirate ship [O navio pirata], o que temos? A calmaria antes da tempestade: uma divagação do Capitão Hook sobre sua vida, sua infância, lembranças desse homem de caráter ambíguo - rude e sensível, ao mesmo tempo. Até mesmo o patético Smee, "the essence of commonplace" [a essência do lugar-comum] costurando em sua máquina, causa inveja àquele homem temido por todos. 


Essa é uma ilustração que dificilmente será publicada, porque se trata de um evento considerado como praticamente insignificante! Uma edição de Peter Pan necessita muitas páginas, o que significa economizar no espaço para as artes. Mas, se eu a produzir, imagino uma daquelas máquinas de costura da época, de pedal mecânico e mesa de ferro em estilo art-noveau, como as primeiras Singer. Adoro especialmente essa cena, em que o Capitão Hook se desvela como homem, como personagem, e seu contraponto a atitude de Smee.


Enquanto isso, Wendy e os meninos estão amarrados no convés. Eles estão a espera do veredicto do Capitão. No exato momento em que Hook vai proceder com a punição das crianças (cuidando para que Wendy os assista andar pela prancha e cair, um a um, no mar), o tique-taque do crocodilo se faz ouvir. Contudo, Barrie nos adverte: qual crocodilo, qual nada - é Peter Pan!

Resta decidir se a ilustração do menino escondido no convés atrapalha ou não a suspense da cena.


terça-feira, 24 de maio de 2011

"The more quickly this horror is disposed of the better." ["Quanto mais rápido nos livrarmos desse horror, melhor"]. Assim começa o Capítulo XIII - Do you believe in fairies? [Você acredita em fadas?]. As crianças pensam que o tambor tinha sido tocado pelos índios, habitual comemoração da sua vitória sobre os piratas. Ao saírem do Esconderijo Subterrâneo, são acolhidas e jogadas de pirata em pirata, e enfiadas, uma a uma, na casinha de Wendy.



Apenas Wendy é tratada com delicadeza; afinal, ela é a "mãe". Até mesmo um pirata sabe que deve respeitar sua posição. É o próprio Capitão Hook quem lhe estende gentilmente a mão, como um cavalheiro bem educado.


Vejam que eu modifiquei levemente a cabeleira do capitão. Agora seus cabelos estão presos atrás da nuca e os cachos caem para frente. Sem chapéu, achei melhor assim. Com os cabelos simplesmente soltos, ele correria o risco de se assemelhar a um desses metaleiros geração 70. O topete dá um ar mais sofisticado e não altera muito o penteado de época.


Enquanto a casinha cheia de crianças lá se vai, carregada pelos piratas, Peter Pan dorme em meio a uma grande risada (eu disse risada, não sorriso), que permanece suspensa na boca do menino. Essa risada muda não será fácil de executar; pensem bem, um rosto que dorme e ri ao mesmo tempo. Exigirá uma certa distorção nas feições - o resultado pode ficar catastrófico. Esse desenho aí não me deixou satisfeita: ele parece estar acordado, não dormindo. Viram a dificuldade?


E então o Capitão Hook penetra por um dos ocos das árvores que levam ao esconderijo. Ele usa a abertura de Slightly (que andou crescendo sem que Peter Pan soubesse). Seu rosto, suado (Barrie usa a expressão dripping like a candle [pingando como uma vela], remetendo à descrição dos cachos do cabelo de Hook) aparece em grandes proporções, tomando conta do espaço do Esconderijo.
No remédio que Wendy deixou para Peter tomar, ele coloca algumas gotas de veneno, que Tinker Bell, numa atitude apaixonada, irá beber em seu lugar.


Você acredita em fadas? Em Peter Pan, the boy who wouldn't grow up, a peça de teatro escrita por Barrie e que deu origem ao livro, se você acreditasse, teria que bater palmas, e assim ressuscitaria a fada. No livro, a interação atores-platéia é substituída pela seguinte passagem:
"There were no children there, and it was night-time; but he adressed all who might be dreaming of the Neverland, and who were therefore nearer to him than you think; boys and girls in their nighties, and naked papooses in their baskets hung for trees.
'Do you believe?', he cried.
[...]
'If you believe', he shouted to them, 'clap your hands; don't let Tink die'.
Many clapped.
Some didn't.
A few little beasts hissed."
[Não havia criança alguma lá, e era noite; mas ele dirigiu-se a todos que pudessem estar sonhando com Neverland, aqueles que, portanto, estariam mais perto dele do que você possa pensar; garotos e garotas de pijamas, indiozinhos em seus cestos pendurados em árvores.
- Vocês acreditam? - ele gritou.
{...}
- Se vocês acreditam - ele gritou a elas - batam palmas; não deixem Tink morrer.
Muitos bateram palmas.
Alguns não.
Uns poucos bestinhas assobiaram.]

A maioria dos ilustradores preferem figurar Tinker Bell em seu ato de heroísmo irrefletido. Eu fiz um rascunho para esse momento, mas ainda estou pensando se não ficaria legal desenhá-la prestes a apagar-se para sempre, junto a um Peter Pan desesperado.




sexta-feira, 20 de maio de 2011



O Capítulo XII - The children are carried off  [As crianças são aprisionadas], o narrador volta no tempo para contar a luta entre índios e piratas na superfície, enquanto Wendy e os meninos se preparavam para partir. Os índios vigiavam o esconderijo de Peter e os piratas atacam traiçoeiramente. Acima e abaixo, estudos para os piratas. Eles serão provavelmente reunidos numa arte só.




 Embora os piratas tenham sido percebidos, os índios se mantiveram impassíveis, à espera da investida inicial.



Peter Pan diz aos meninos que, se os Piccanninys venceram, ouvirão o bater de um tambor. O Capitão Hook, ao ouvir através do oco das árvores a voz do menino, dá a ordem imediata a Smee:


A figura de Smee deve aparecer no final do Capítulo como uma vinheta terrível: as crianças, vibrando com "a vitória dos índios", estão prestes a sair do esconderijo para comemorar.

terça-feira, 17 de maio de 2011



Vamos ao Capítulo X - The happy home [Lar feliz]. Enquanto Peter Pan é reverenciado pelos índios, Wendy prossegue sua rotina doméstica. Peter Pan conta bravatas, é aclamado como "Great White Father" [Grande Pai Branco], e Wendy enfrenta a rebeldia dos "filhos"no Lar Subterrâneo. O faz-de-conta das crianças é levado muito à sério e, lá pelas tantas, nesse capítulo, Peter Pan demonstra temer a possibilidade de estar se tornando um "homem": um "pai"e "marido"de verdade. Um novo diálogo entre os dois protagonistas, tão delicado e bem feito quanto o primeiro (ainda no quarto de Wendy), é travado. Há algo de melancólico nele, até mesmo trágico: sentimentos impossíveis vêm à tona.



Porém, tudo termina em brincadeira e dança. Afinal, estamos no interior de um mundo infantil e o que poderia se tornar uma discussão entre marido e mulher (com direito à ciúmes por parte de Wendy) se dilui no último momento de felicidade da turma.

Dessa vez, optei por desenhar o conjunto inteiro de crianças. Aqui, não vai importar tanto a figura de cada um em particular, mas a dinâmica do grupo integrado no movimento. Sendo Peter Pan e Wendy as figuras principais, fiz seus estudos também em separado.


No Capítulo XI - Wendy's storie [A história de Wendy], a história da família Darling é lembrada mais uma vez por Wendy. Wendy sempre procurava preservar a memória dos pais junto a John e Michael, mas após sua conversa com Peter Pan, o momento adquire uma conotação especial e a vontade de retornar ao mundo dos adultos contagia também os meninos perdidos.


É claro que Peter Pan não gosta nada, nada, de perder seu poder junto aos meninos para Wendy. Embora a menina implore, ele se recusará ir embora com eles. Do tipo heróico "Grande Pai Branco", ele deriva numa criança birrenta, fazendo pirraça, fingindo que não está ouvindo, que não se importa. 



Por um momento as crianças parecem se importar com os sentimentos de Peter. Mas as crianças de Barrie "não tem coração"e logo partem alegremente, imaginando como será o retorno ao lar.
Contudo, nesse mesmo instante, algo está acontecendo lá fora, acima do Esconderijo Subterrâneo. Barrie  terá que retroceder o tempo narrativo no próximo capítulo para contar o que foi. 




quarta-feira, 11 de maio de 2011


O Capítulo IX - The never bird [ O Pássaro-Nunca] é extirpado das versões para o cinema e não consta na versão teatral original. Ele guarda resquícios de Peter Pan in Kensington Gardens: através dele, sabe-se da associação feita por Barrie entre pássaros e crianças. No universo imaginário do autor, as crianças eram pássaros antes de se tornarem bebês, mas esquecem disso rapidamente. Em sua origem, Peter, além de se alimentar e falar como os pássaros, aprendeu a voar com eles (as fadas em Kensington moram nas árvores e embaixo da terra, conforme a tradição celta e, portanto, não tem asas. Barrie as omite em Tinker Bell e o pó das fadas foi adotado posteriormente). Tudo isso reaparece sutilmente nesse capítulo: a incomunicabilidade (uma referência ao fato de que as crianças esquecerem sua origem), o auxílio que o pássaro (uma fêmea-mãe) presta ao menino, oferecendo seu próprio ninho, cheio de ovos, para salvá-lo da maré alta. Numa versão mais antiga, Peter simplesmente joga os ovos fora e ocupa o ninho. Embora coerente com o caráter da personagem (uma criança sem coração), na versão final Peter coloca os ovos no chapéu de Starkey, esquecido junto à Pedra Morooney.

Não esqueçam que Peter, por ter perdido a autoconfiança, está nesse momento incapacitado de voar: nada mais natural que a figura do pássaro reapareça para orientá-lo. Em PPKG (vou abreviar o excerto de Little White Bird), os pássaros assumem a educação de Peter à medida que este perde a confiança no mundo adulto.

A minha figura de Never Bird não está boa e só a incluí para não deixar esse capítulo em branco. Ele deve ser menos um pássaro de fantasia, mas mais um pássaro de verdade, da fauna inglesa.

segunda-feira, 9 de maio de 2011



Por fim, para encerrar o Capítulo VIII: a maré sobe e ameaça engolir a Pedra Marooney onde se encontram Peter e Wendy. Fragilizado pelo golpe traiçoeiro de Gancho, o menino não pode voar com Wendy para o refúgio subterrâneo, mas a amarra na pipa de Miguel feita por João e que sobrevoa Neverland.

Nosso herói permanece na pedra e diz uma frase que sintetiza bem a tragicidade de sua condição de criança eterna: "To die will be an awfully big adventure." [Algo como: "Morrer será uma tremenda aventura."]. Temos aí uma visão positiva da morte, coisa rara não só na literatura em geral, mas sobretudo nesse gênero. Ela é especialmente significativa, pois se refere à tentativa de Barrie de minimizar o temor da morte infantil, comum no seu tempo. A frase foi dita por George Llewelyn Davies, quando das primeiras descrições de Barrie de Never-never-land, compreendida como um paraíso  para onde iam todas as crianças que faleciam (no caso, os meninos perdidos). Assim, diferente das demais histórias infantis de aventura em um lugar fantástico, o texto de Barrie traz uma conotação claramente sombria, perceptível em algumas passagens.

Dei meu ok para o esboço de Wendy, mas Peter Pan ainda precisa ser trabalhado. Talvez seja melhor vê-lo de costas, olhando para Wendy que se afasta. O rabisco circular ao lado é o chapéu de Starkey, elemento importante para o próximo capítulo.

domingo, 8 de maio de 2011


Lembram da cena? Tiger Lily é raptada pelos piratas (mais precisamente, por Smee e Starkey), a mando do Capitão Hook. As crianças estão descansando sobre a chamada Marooner's Rock (Pedra do Abandono, Desterro ou Degredo, a depender da tradução), enquanto Wendy e Peter vigiam. O céu escurece subitamente, como se uma tempestade se aproximasse. Estou entre a expressão orgulhosa e a humilhada. Acho que vai ficar a orgulhosa.


Peter imita a voz do Capitão Hook e manda soltar Tiger Lily. A configuração abaixo, embora pequena, ficou melhor.


O Capitão descobre o truque de Peter e sai ao seu encalço. Uma das cenas mais significativas da relação entre Hook e Peter aparece aqui: ele fere Peter Pan no braço, que lealmente o estende para ajudá-lo a subir na rocha. Hook não hesita e o fere com o gancho. O golpe dói no menino. Como a criança pequena que, apesar de tudo, confia no adulto, Peter confiou incondicionalmente no pirata e se sente vítima uma grande injustiça. Portanto, não é o braço machucado que impedirá Peter de voar com Wendy, mais tarde, quando a maré começar a subir; mas é esse sentimento de ter sido traído em sua confiança, que o fragiliza.


Fiz duas versões para essa cena, porque estou em dúvida: devo mostrar Hook já com ares mal-intencionados ou amedrontado, com medo de cair da rocha? E qual a melhor posição para Peter?