Paula Mastroberti

Bem-vindos a Peter Pan e Wendy: projeto. Ele está sendo desenvolvido a partir da minha tese de doutorado defendida na Faculdade de Letras na PUCRS, que basicamente estudou a obra Peter Pan e Wendy, de James Matthew Barrie, suas traduções gráficas e sua receptividade no Brasil. Entre outros objetivos, pretendo apresentar, como produto final, uma versão ilustrada desse texto literário que completou 100 anos em junho de 2011. Este blog foi criado para compartilhar os conceitos, os traços e o processo que envolve a produção dessas ilustrações e da sua versão em quadrinhos.
(Clique sobre as figuras para ampliá-las.)

sexta-feira, 29 de abril de 2011



Por fim, no Capítulo III, saem todos voando (desajeitadamente), pela janela. Peter Pan conseguiu o que queria: seduzir Wendy para o seu paraíso límbico - os meninos John e Michael acompanham a aventura por mera condescendência - onde o tempo é uma roda que gira sem sair do lugar e onde cada criança constrói a paisagem que deseja para si mesmo. Principalmente, Peter Pan consegue adiar o crescimento da menina, em vias de entrar na adolescência. É uma cena rica em vários sentidos. Ao aprender voar,  eles experimentam um tipo de êxtase, que difere da ideia de devaneio (clichê em toda fantasia infantil), mas mais parece um despertar para outro estado mais vivo, mais vibrante. As palavras-chave para a configuração aqui devem ser, portanto, essas: corpos desajeitados  e em êxtase. 

No Capítulo III, acontece uma das passagens mais bonitas da literatura infantil (e que me fazia sonhar acordada quando criança, mesmo que a minha única referência na época fosse o desenho da Disney): o encontro entre Wendy e Peter Pan. Um encontro nada pueril, mas repleto de não-ditos e de sensualidade (sim, por que não!). Essa cena é na verdade uma reescritura do encontro entre Peter e Maimie em Peter's Goat [A cabra de Peter], Peter Pan in Kensington Gardens. A original é bem mais ardente (dentro do que se pode conceber por ardente e inocente, ao mesmo tempo) e, após a troca do dedal/beijo, Peter chega a pedir a Maimie que se case com ele. Acrescento que o menino aparece na versão primeira completamente nu, embaraçando Maimie inicialmente. No final, ela o enlaça e o beija (de verdade).
Optei por esboçar Peter e Wendy em separado. Sempre faço isso quando quero marcar bem a expressão individual de cada personagem, mas eles deverão ficar bem próximos um do outro, quase como se PPan quisesse beijar a menina. Aqui aparece apenas duas amostras: na verdade, eu fiz pelo menos uns 3 esboços de cada personagem. E ainda não estou satisfeita. 


Até o final do Capítulo II, Barrie nos oferece uma imagem muito clara do que é a família Darling e do papel que cada um exerce no interior dela. Então, no final, ficamos sabendo que alguém os espreita o tempo todo: Peter Pan. É um momento de "ataque", digamos assim. Cave, Peter! ["Agora, Peter!"] - impelem as estrelas. Acho que o esboço à esquerda pode traduzir isso bem. A partir daí, o mundo real vai se desmanchando aos poucos, e a janela do quarto dos Darling fica aberto à fantasia. A moldura da árvore se inverterá, e veremos o céu estrelado (na minha ilustração) de dentro da casa.
No Capítulo III - Come away! Come away! [Vamos! Vamos!], Peter vem buscar sua sombra, acompanhado de Tinker Bell, a fada que no teatro não passava, na representação tradicional, de um foco de luz e de tilintar de sinos. Ela deve começar assim, como uma mancha brilhante apenas - embora Barrie já a descreva desde o início, meio gorducha e vestida com uma folha seca - assumindo a forma de fada só mais adiante, quando estiver em Neverland.



quinta-feira, 28 de abril de 2011



Ainda no Capítulo II teremos a cena em que o Sr. Darling tenta persuadir Michael de tomar seu remédio. A ingenuidade e a franqueza das crianças contrasta com o comportamento incoerente do pai, que acaba punindo a cadela Nana para desviar a atenção do seu comportamento vergonhoso. O Sr. Darling representa tudo o que há de mais constrangedor no mundo dos adultos: regras sem sentido, abuso da autoridade, esforço para corresponder às expectativas sociais. Essa representação frágil e ridícula do adulto (que no universo barrieneano é de domínio masculino) retornará na figura estereotipada do Capitão Gancho.

Para compor a cena do remédio, eu preferi desenvolver as personagens e suas reações em separado; elas serão reunidas na arte final, é claro. Nota-se uma certa indecisão com referência a John, mas acho que ficarei com a opção do pijama, ao invés da tradicional camisola, embora meninos e meninas a usassem indiscriminadamente nessa época.     

quarta-feira, 27 de abril de 2011


Aqui temos alguns esboços para o Capítulo II - The Shadow (A sombra).  árvore-moldura do Cap I reaparece, mas agora sem Peter, porque ele já está no interior da casa dos Darling. Peter Pan não é uma figura estável, mas uma visão que toma a forma daquele que o vê. Nesse momento, ele aparece apenas para a Sra. Darling; sendo ela uma adulta, ele aparecerá como um menino pequeno, de uns 6 anos, talvez. Para Wendy, entretanto, ele surgirá na idade próxima a da menina: entre 11 e 13 anos.  Isso não está no texto, mas é uma interpretação minha, a partir dos estudos dos ilustradores que já configuraram Peter Pan desde a primeira edição.

Peter Pan é descrito como um menino vestido com folhas de árvore e coberto com seiva das árvores; ele ainda possui todos os seus dentes-de-leite. Sua origem o liga às forças da natureza, ao panteísmo, ao demoníaco. Apesar da sua vivacidade, é um elemento estático na narrativa, suspenso entre a vida e a morte, imune à passagem do tempo. Quem já leu o excerto Peter Pan in Kensington Gardens (retirado de The Little White Bird) sabe do que é que eu estou falando. 


Acima, ele aparece num estudo antigo meu, anexado ao diário posteriormente. Talvez ele pareça um pouco agressivo, principalmente para aqueles que se habituaram a pensá-lo como um garoto alegre e amigável (embora muito exibido), heróico. Porém, quem se dirigir ao texto literário original verá que Peter Pan é uma personagem mais ambígua e pesada do que parece, podendo se comportar de forma bastante egoísta ou desalmada. Por vezes, ele assume uma condição patética, ou trágica. Um personagem rico, um desafio para o ilustrador, sem dúvida.
Embora eu provavelmente suavize os traços de Peter nas artes finais, manterei seu aspecto selvagem, misturado aos componentes vegetais. Também devem ser mantidos os índices de sua natureza panteísta: orelhas pontudas, a flauta pan e um certo ar sobrenatural, que o diferenciará das demais crianças.

terça-feira, 26 de abril de 2011








A família Darling, em vários estudos para o Capítulo 1. George (Jorge) Darling, o pai das crianças, deverá se aproximar em configuração do Capitão Hook (Gancho): a cabeça menor é a que provavelmente será aproveitada. Embaixo, a criada Liza e a babá são bernardo, Nana.

E aqui temos o Capítulo 1: Peter breaks through (Peter surge)
Esse capítulo é normalmente deixado de lado nas versões cinematográfias e literárias adaptadas para o leitor mais infantil. Ele narra a formação da família Darling. O modo como Peter Pan vai surgindo, primeiramente como um sonho, depois como uma visão, até se tornar um ser de carne-e-osso, invadindo a tranquilidade dessa típica família classe-média é algo que terei que observar e versar para a linguagem ilustrativa. No início, a personagem Peter Pan não deve participar graficamente das artes, mas ficar "por fora" delas, como um observador à espera do melhor momento para transpor o portal entre a realidade e a fantasia.

No estudo acima, está representada a cena em que Wendy, ainda um bebê, leva uma flor para sua mãe. Elas estão num parque. Embora não conste no texto, a presença de Peter (habitante do Parque Kensington), já se insinua na moldura, observando a menina e a mãe. À esquerda, anotações de leitura, que me ajudam a compor as concepções figurativas. 

Em seguida, criei uma folha de rosto. Não que precisasse: mas me ajudou a entrar no clima.
É raro usar grafite para desenhar. Prefiro mesmo as esferográficas. Começo sempre com uma caneta vermelha, e reforço os traços que me interessam com a preta. O tema vegetal prossegue. Ele sinaliza a presença de Peter Pan que, para quem não sabe, em sua concepção original (ele aparece pela primeira vez em The Little White Bird, romance de James Barrie de 1902), foi morar nas árvores, em companhia das fadas.

Minha primeira preocupação foi a de criar um diário gráfico, para anotar os conceitos iniciais que me conduzirão às ilustrações propriamente ditas. Essas anotações se concentram basicamente no estudo das personagens, em virtude da sua variedade e riqueza de personalidades, caracterizações físicas e movimentos. Além disso, tenho uma preferência especial pela figura humana como forma expressiva.

O caderno adquirido para esse fim tem capa de papelão rústico: sobre ele, trabalhei o título em desenho que deve lembrar galhos, folhas, vegetais torcidos pelo vento. O nome de Wendy aparece ligeiramente maior e mais estável que o de Peter Pan, pelos seguintes motivos: Wendy é a personagem a partir da qual a história é narrada, enquanto Peter passa por ela, vindo de um passado (ele surge numa narrativa anterior) e projetado em direção a um futuro ("enquanto as crianças forem alegre, inocentes e sem coração"). Algumas fadinhas fantasmagóricas o circundam. Utilizei aqui canetas esferográficas vermelha e preta de ponta 0.5 mm, nanquim branco e grafite.